A 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT2) declarou válido auto de infração administrativa (da Superintendência Regional do Trabalho) contra uma empresa têxtil em decorrência de violações a direitos dos funcionários. Segundo a decisão, as pessoas que trabalhavam no local não possuíam vínculo formal com a empresa, embora a prestação de serviços fosse exclusiva, ocasionando, dessa forma, a verificação, pelo órgão administrativo, da existência de vínculo empregatício entre os trabalhadores e a contratante. Além disso, a fiscalização também identificou condições inadequadas de trabalho e o desrespeito a várias outras normas trabalhistas.
A empresa ajuizou ação anulatória contra o auto de infração, pois foram lavrados fora do local de inspeção. Ela também sustentou que os trabalhadores haviam sido contratados através de um intermediário – o que restou inverídico, dado que a pessoa jurídica havia sido criada há pouco tempo e não apresentava quaisquer movimentações ou recursos suficientes para, na prática, haver contratado os trabalhadores.
Uma das questões que transcendem ao processo em si, dado que objeto de diversos debates doutrinários e jurisprudenciais, está na possibilidade de que o auditor do trabalho possa declarar a existência de vínculo empregatício entre a pessoa e a empresa. Essa competência seria exclusiva da Justiça do Trabalho, e não da citada Superintendência, órgão administrativo que é. No caso em tela, o Tribunal Regional reconheceu a legitimidade dos auditores para declarar tal vínculo laboral, ainda que realizado fora do ambiente jurisdicional
Inobstante a decisão sustente haver no caso concreto sinais concretos de várias irregularidades no ambiente de trabalho, a possibilidade de agentes administrativos, por mais qualificados que sejam, de declarar vínculo empregatício é fenômeno que incomoda demais o empresariado, que enxerga nisso uma dupla insegurança: além daquela que atribuem à própria Justiça do Trabalho, apontam também a imprevisibilidade dos resultados de uma fiscalização realizada por um órgão administrativo. Alguns acreditam até mesmo que a Justiça Laboral estaria, na verdade, terceirizando a competência que lhe é exclusiva, segundo a Constituição da República.
O próprio Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a transcendência jurídica da questão objeto do AgEDRR n. 2634-36.2011.5.02.0055, julgado em 2022. Segundo a Corte Superior, o auditor fiscal do trabalho é funcionalmente incompetente para declarar vínculo empregatício e esse expediente caracteriza “[i]nvasão de competência da Justiça do Trabalho”. O acórdão pontua, contudo, que tal invasão deve estar atrelada ao que chamou de “cenários fáticos complexos”, isto é, que não evidenciam de forma clara a transgressão ao art. 41 da CLT, visto que “não cabe ao auditor fiscal julgar a situação e lavrar o respectivo auto de infração, pois, nesse caso, estaria a decidir como autêntica autoridade judiciária, o que não se compadece com o postulado da separação dos poderes (CF, art. 2º) e com a garantia do juízo natural (CF, art. 5º, LIII), autênticas cláusulas pétreas da Constituição (CF, art. 60, § 4º)”.
Consoante o TST, portanto, cabe à Justiça do Trabalho, após a iniciativa própria dos trabalhadores – ingresso da demanda –, a competência para descaracterizar a situação jurídica dos trabalhadores e reconhecer o vínculo de emprego. Ainda segundo o aresto, o auditor do trabalho “não possui competência para afirmar que as relações jurídicas existentes entre o autor e os trabalhadores contratados na condição de corretores de seguro autônomos eram na verdade relações de emprego”, visto existir “uma relação jurídica formalizada pelas partes”. Por isso, se houver qualquer tipo de fraude na relação entre trabalhador e empresa, “a competência para sua declaração é do Poder Judiciário, e não do auditor fiscal”.
Todavia, enfatiza-se: a posição da Corte Laboral não se aplica aos casos “em que houver clara e consistente controvérsia acerca da presença dos elementos constitutivos da relação de emprego”. Nesses casos, de acordo com o acórdão, o agente administrativo deve “submeter a questão à autoridade competente, para fins de representação ao Ministério Público do Trabalho, a quem a ordem jurídica reserva a atribuição para instauração do competente inquérito civil e ou promoção de ação civil pública (CF, art. 129, III, c.c. art. 83, I e III, da LC 75/1993”.
Nesse cenário, a palavra do dia deve ser prevenção: para evitar problemas trabalhistas, os empresários não podem se furtar a se precaver internamente e a tomar as medidas necessárias para a adequação à legislação trabalhista. Para isso, um profissional competente e com experiência na seara laboral é essencial. Da mesma forma, a defesa – jurisdicional ou administrativa – das empresas necessitam de um serviço jurídico compatível com a complexidade da questão, especialmente em decorrência da miríade de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.